quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Quase sem querer.

O ano era 1986 e a Legião Urbana preparava-se para lançar o disco que a consagraria como melhor banda de rock nacional. E olha que isso em 1986, em meio a um Brasil que se acostumava com a Nova República e com o Plano Cruzado.


O disco abre com uma gravação ao vivo do trecho final da música “Será”, porém as semelhanças com o primeiro disco não serão muitas, a começar pelo clima folk da maioria das canções e mesmo pelo tom gráfico do álbum.


“Daniel na cova dos leões”, cujo título é metafórico, é a segunda “entregada” de Renato Russo sobre sua opção sexual; já em “Soldados”, do primeiro LP, ele indiretamente mostrava o que se tornaria explícito em “Meninos e meninas” de 1989: sua homossexualidade. “Daniel...”, uma das poucas parcerias com o baixista Renato Rocha, mostra claramente os conflitos de Renato: “Aquele gosto amargo do seu corpo[...]De amargo então, salgado ficou doce”, para fechar no deslumbrante final onde fica nítida luta entre o que ele queria ser e o que a sociedade esperava que ele fosse: “Mas tão certo quanto o erro de ser barco a motor e insistir em usar os remos”. Vale lembrar que esta canção é de 1985 e foi mixada por Russo (há depoimentos de que durante os intervalos da gravação do primeiro LP, Renato já ensaiava os arranjos de “Daniel...”).

“Quase sem querer” é um dos hits deste disco, letra triste, melancólica e poética, tudo misturado num arranjo folk inesquecível. O refrão grava-se automaticamente na cabeça já na primeira audição.

“Acrilic on Canvas” possui um arranjo semelhante aos feitos pela gravadora Factory, que produziu, entre outros, Joy Division e New Order. A letra é obscura e mesmo mórbida, porém o ritmo dançante contagia e alivia um pouco o clima dark da canção.

Ao final do lado A temos vários hits em seqüência, “Eduardo e Mônica” foi feita em 1982 e é baseada na história real do antigo produtor executivo da Legião, Rafael Borges, e sua ex-esposa; Renato compôs esta canção na sua época de “Trovador Solitário” e toca todos os instrumentos da música.

“Central do Brasil”, que possui apenas arranjo instrumental, cria um clima triste e esquisito meio a la “final-de-tarde-chuvoso-sozinho-em-casa” que dá o tom para a melhor música do disco (na minha opinião): “Tempo Perdido”. Com introdução que lembra a guitarra de “The Headmaster ritual” do disco “Meat is murder” dos Smiths e letra semelhante a um antigo sucesso do Aborto Elétrico, “1977”, esta canção escancara a depressão e a crise existencial pela qual passava Renato na época; a voz de Russo novamente lembra Morrissey (a maneira que Renato dançava no palco era nitidamente influenciada pelo líder dos Smiths e mesmo parecida com Ian Curtis), a letra é tristíssima e o final clássico. Logo depois há outro instrumental onde é tocado “Tempo Perdido” só com violões; detalhe: algumas versões do vinil não trazem esta versão, economia de faixas? Esquecimento? Sabe Deus.


“Metrópole” abre o lado B lembrando os bons tempos do punk, a letra foi amenizada, pois a original era mórbida e suicida (há sites que disponibilizam praticamente todas as letras do Aborto Elétrico e mesmo as versões em mp3). “Música Urbana 2” possui um tom obscuro e lembra os tempos de Renato pelas ruas e madrugadas de Brasília, aliás, qualquer um que curte ou curtia sair a noite com amigos vai se identificar nesta canção; o número “2” é devido ao fato de o Capital Inicial ter lançado uma música homônima no seu primeiro LP de 1986, com participação de Renato na composição da letra.

“Andréa Doria” (que conforme este mesmo site já divulgou, é o nome de um navio) é outra música triste, onde é tratado o tema da separação. Renato está incisivo: “Mas percebo agora que o teu sorriso vem diferente, quase parecendo te ferir”, para concluir de maneira resignada e melancólica: “Nada mais vai me ferir. É que eu já me acostumei, com a estrada que eu segui com minha própria lei”. Talvez seja a segunda música mais deprê do disco. Por fim, “Índios” (com aspas mesmo) fecha o disco e um ciclo; o teclado vai subindo juntamente com a voz de Renato, dando a impressão de que um coro inteiro de “índios” canta junto; o refrão figura entre os mais bonitos e depressivos já compostos por Renato e o final, só com violão e um efeito “vento passando pela cidade”, é perfeito.

Após este disco a Legião lançaria “Que pais é este” retomando a linha punk e depois enveredaria por caminhos religiosos e introspectivos. Portanto, “DOIS” torna-se um disco que fecha o ciclo juvenil e inocente da banda, apontando para novos caminhos e novas possibilidades. Além disto, é o disco com mais hits juntos que já ouvi, praticamente todo o álbum é perfeito, coeso e estranho, a começar pela capa e o encarte (no CD a foto do encarte é outra, onde dá pra identificar o rapaz: Marcelo Bonfá) que lembram o clima mórbido de “Closer” (último disco do Joy Division). Pra finalizar fica a questão: o DOIS do título refere-se ao número do Lp, ao casal da capa do encarte ou a nenhum dos dois?
fonte: http://whiplash.net/materias/cds/003104-legiaourbana.html


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