sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Engenheiros do Hawaii - GLM (1992)


"Nesse tempos de indigência estética, sai mais uma obra para causar dor de cabeça. Sai na praça 'GLM', 7º disco da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii. As músicas são furibundas, como todo trabalho desses gaúchos. As letras gongóricas e incompreensíveis, também cheias daquelas expressões chulas e desgastadas, que o populacho convencionou chamar 'trocadalhos do carilho'".

O trecho acima faz parte de uma crítica da Folha de São Paulo de 30/10/1992, imediatamente depois do lançamento de "GLM", considerado por público e crítica (embora essa última tenha feito um reconhecimento tardio) a obra-prima dos Engenheiros do Hawaii. É um trecho bastante rico, pois revela muito acerca da maneira como a banda era vista no cenário nacional e também destaca, de forma quase que involuntária, diversos aspectos do álbum que valem a pena ser detalhados.

Em relação à banda: A explosão do rock brasileiro dos anos 80 se deu com o desenvolvimento de três grandes cenas: São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. As três deram ao país grupos que buscavam explorar ou a atitude "Do It Yourself", emprestada do punk, ou a procura por uma "brasilidade" em seus discos. Nesse sentido, os Engenheiros sempre foram vistos como "Outsiders", pela temática ortodoxa de suas letras, pela sua origem gaúcha e pela complexidade de seus arranjos. A banda sempre teve ampla aceitação nos círculos populares, mas até o seu hiato em 2008 sempre recebeu diversos olhares antipáticos da mídia especializada (e bairrista).

Em relação ao disco: "GLM" é apontado por muitos como o auge criativo da banda, tanto pela estrutura pouco usual das canções, quanto pelas enigmáticas letras de Humberto Gessinger. É disparado o disco mais progressivo do grupo, fazendo com que até hoje muitos sites grandes os definam como "banda de rock progressivo", embora isso não seja verdadeiro. Sua estética é baseada no álbum da banda Emerson, Lake & Palmer, adaptada com uma sigla dos integrantes do trio - Gessinger, Licks e Maltz - em forma de engrenagem. É o último disco de estúdio da chamada "formação clássica" do grupo, o Power Trio. Augusto Licks sairia da banda no ano seguinte, e Maltz em 1995.


O que o torna um clássico? Certamente alguém não-iniciado na banda olharia seu set-list e não reconheceria nada ali. Outros discos como "O Papa é Pop" (1990) ou "A Revolta dos Dândis" (1987), geraram mais hits do que esse. Mas basta uma audição para encontrar a resposta: certamente nenhum outro registro do grupo é tão equilibrado quanto esse, e nunca o grupo esteve tão entrosado. A formação Gessinger, Licks e Maltz começou apenas com "A Revolta dos Dândis", precisando de uma série de álbuns para conhecerem melhor as características de cada um.

Num geral, GLM é clássico não pela presença ou ausência de hits, mas por se construir como um álbum como poucos fizeram. Afinal de contas, "Another Brick In The Wall" sempre vem à cabeça quando pensamos em Pink Floyd, mas qual álbum é considerado a principal referência? "The Dark Side Of The Moon".

Ouvindo-o hoje, GLM soa datado, consequência inevitável de qualquer álbum que busque uma sonoridade "moderna". Foi um dos primeiros álbuns brasileiros a usar o "auto-tune", ferramenta hoje utilizada exaustivamente nas canções pop. Destaca-se a atuação do guitarrista Augusto Licks, que vai do agressivo para o dedilhado delicado com um timing e feeling indescritíveis. Certamente um dos melhores músicos deste  país.

Na temática, GLM também é um álbum de seu tempo. Era 1992, o neo-liberalismo econômico se consagrava como hegemônica no país, a URSS havia solapado um ano antes e a academia brasileira de letras era tomada pelo pós-modernismo, que abalara as certezas. O historiador Fukuyama causou reboliço na história ao pregar o "fim da história". Todas as letras abordam essa relação confusa do indivíduo para com um mundo cheio de incertezas, onde não se sabe mais para onde vamos, ou para onde devemos ir. Temos progresso tecnológico, mas falta "o pão nosso de cada dia". Ninguém é igual a ninguém, mas o fato de que todos continuam mentindo, nos fazem "uns mais iguais que os outros" (frase emprestada do clássico de George Orwell, "A Revolução dos Bichos").

Impossível descrever as nuances de um disco tão complexo. GLM certamente pode causar certa rejeição, seja pelas letras complicadas ou pelo pouco caráter comercial, mas ainda vale a pena para todos que curtem a ideia de álbum, do conceito em que canções se complementam, se unem para juntas criarem uma única obra. Em certo sentido, todas as canções fluem como se fossem uma só. E é assim que ele pede para ser ouvido: apenas como uma única canção.


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